#2 | Uma edição focada na reflexão sobre a prática jornalística
Racismo, feminicídio, tipos de entrevista, suicídio e capas de jornais
Olá! Bem-vindas e bem-vindos à segunda edição da Periódica.
Mais uma vez, inicio a newsletter agradecendo aos assinantes e aos apoiadores: 10 pessoas já contribuíram financeiramente para a manutenção da Periódica — algumas antes mesmo da primeira edição ganhar vida. Esse tipo de reconhecimento me anima a investir mais na newsletter, seja em tempo, conteúdo ou mesmo ideias de como promover uma melhor interação com vocês, leitores. Assim, deixo o convite para que, quem puder, contribua também.
A propósito, na próxima semana anunciarei duas novidades relacionadas à Periódica. Uma ainda é segredo, mas a outra pode ter um spoiler: faremos uma série de webinars temáticos para discutir temas urgentes no jornalismo, promovendo o diálogo entre profissionais e acadêmicos com o objetivo de pensarmos em soluções conjuntas para problemas coletivos. Nos próximos dias fechamos os últimos ajustes e, em breve, informo mais detalhes sobre datas, temas e convidados.
Bom, vamos à edição de hoje. Na seleção dos artigos, optei por escolher aqueles que tratam de temas intimamente ligados à prática profissional. Assim, o desenvolvimento de capas no jornalismo digital, a cobertura sobre feminicídio e suicídio, a raça como componente do processo comunicacional e os tipos mais comuns de entrevistas pingue-pongue ocuparão as próximas linhas. Há temas sensíveis e que podem ser gatilho para algumas pessoas; eles serão sinalizados com um alerta.
Aliás, no último mês saiu tanta publicação interessante que foi muito difícil selecionar o que entraria nesta edição. Por isso, estou considerando mudar a periodicidade da newsletter de mensal para quinzenal. O que você acha? Opina aqui, por favor.
A segunda edição da Periódica levou cerca de 13h para ser preparada — entre pesquisa, seleção de conteúdos, estudo, redação e edição final — e o tempo de leitura é estimado em 12 minutos. Não custa lembrar: toda edição vem acompanhada de um material de aprofundamento que reúne anotações e fichamentos sobre as leituras das publicações. Este material demanda cerca de 23 minutos de leitura.
A Periódica #2 saiu um pouquinho mais tarde que o planejado porque essa semana foi bem complexa por aqui (para dizer o mínimo). Inclusive, este tweet me representa:
Se esta é a primeira vez que você está lendo a Periódica, dois comentários: 1) que ótimo ter você por aqui; 2) você pode ler a primeira edição aqui e entender melhor a proposta desta newsletter aqui.
Boa leitura!
Reconfiguração editorial: ainda há capas em jornalismo de plataforma?
Autores: Camila Hartmann, Mauricio de Souza Fanfa e Ada C. Machado da Silveira
>> Resumo em um tweet. O artigo problematiza a plataformização de jornais e revistas a partir da perspectiva da midiatização tendo como foco de análise o projeto ACAPA.
>> Panorama. O processo de plataformização do jornalismo provocou uma ruptura com o modelo tradicional de capa, pensado na lógica industrial e voltado para o impresso. A midiatiazação traz inovação nos processos e a disrupção da tradição, de onde florescem novos arranjos de trabalho e de narrativa.
>> Principais achados. O projeto ACAPA é um exemplo dessa disrupção midiatizada pois atuam com liberdade criativa, não funcionam sob a lógica de hierarquização, não produzem com apego à periodicidade e criam as capas para publicação online com o objetivo de organizar o caos informativo inerente às redes sociais.
Alerta de gatilho: o artigo e os comentários a seguir tratam de feminicídio e violência de gênero e podem ser sensíveis para algumas pessoas. Se for o seu caso, sugiro que você não leia. Há outros conteúdos nesta newsletter que abordam temas que não são violentos.
Um corpo duplamente esfacelado: (in)visibilidade das vítimas de feminicídio em manchetes de jornal
Autoras: Marluza da Rosa e Isadora Gomes Flores
>> Resumo em um tweet. O artigo analisa a (in)visibilidade das vítimas de feminicídio em quatro manchetes sobre o crime/tentativa do crime publicadas no G1 e Gaúcha ZH em 2015. O corpo é lugar que ao mesmo tempo expõe e silencia a vítima.
>> Panorama. O corpus foi escolhido com base no ano de aprovação da Lei do Feminicídio (2015) e porque, naquele ano, o Rio Grande do Sul foi o estado que mais registrou este tipo de crime. Nas quatro manchetes analisadas, um aspecto comum é a exposição do corpo da vítima: "esfaqueadas", "degolada", "decepa", "24 facadas", mas apenas uma das notícias apresenta mais características da vida da vítima de modo que é possível saber quem foi a vítima, de fato. As autoras questionam a posição jornalística de nomear ou não o crime como feminicídio e quais as implicações desta escolha discursiva.
>> Principais achados. O corpo das mulheres vítimas de feminicídio são expostos, inclusive de maneira descritiva, de modo a reforçar que o corpo feminino é, por condição, um lugar de sofrimento, de manifestação da violência. Quando o crime é abordado dessa forma, o jornalismo incorre no equívoco possível de amenizar a culpa do assassino/agressor e apresentar as mulheres como vítimas cujos corpos são esfacelados.
O racial é propriamente comunicacional
Autora: Pâmela Guimarães-Silva
>> Resumo em um tweet. O artigo busca responder a pergunta "o que é propriamente comunicacional em uma investigação sobre a temática racial" e, para isso, apresenta um percurso histórico sobre o conceito de raça e caminhos para compreender o fenômeno de forma relacional.
>> Panorama. O texto publicado faz parte da pesquisa de doutorado da autora e apresenta inquietações que permearam a primeira fase da tese. Para isso, são apresentados: um panorama histórico que ajuda a entender a formação, desenvolvimento e perpetuação do conceito de raça; a articulação com a comunicação a partir do caráter ideologizante — e relacional — de raça; características e exemplos que demonstram como tal caráter afeta o processo comunicativo.
>> Principais achados. A raça é um conceito que denota um fenômeno relacional uma vez que ela influencia visões e interações sociais de maneira ampla. O olhar sobre as questões raciais em pesquisas de comunicação é essencial para entender os mecanismos de perpetuação do racismo e como ele se traduz na prática jornalística, impactando na visibilidade midiática de vozes e pautas de mulheres e meninas negras.
Alerta de gatilho: o artigo e os comentários a seguir tratam de suicídio e podem ser sensíveis para algumas pessoas. Se for o seu caso, sugiro que você não leia. Há outros conteúdos nesta newsletter que abordam temas que não são violentos.
Evidências entre mídia e suicídio: efeito contágio das produções jornalísticas e ficcionais
Autores: Raquel Carriço Ferreira e Kaippe Arnon Silva Reis
>> Resumo em um tweet. O artigo faz uma revisão narrativa para mostrar evidências do "efeito contágio", ou seja, a relação entre a exposição midiática do suicídio e o aumento de casos reais a partir da exibição reportagens sobre o tema e das séries "13 Reasons Why" e "Euphoria".
>> Panorama. A partir de uma série de pesquisas e estudos, os autores reúnem dados que mostram a correlação entre a exploração midiática (que pode ser espetacularizada e excessiva) do suicídio e os impactos sobre as estatísticas, especialmente quando a morte retratada é de uma celebridade. O texto cita o caso do ator Robin Williams, cuja morte provocou um aumento de 10% no registro de casos da série histórica do período e 32,3% no aumento de mortes por sufocamento. O mesmo padrão de influência se repete na análise da série "13 Reasons Why" que, no Brasil, impactou em um aumento de 445% na procura pelos serviços do Centro de Valorização da Vida (CVV).
>> Principais achados. Como parte da solução para evitar o efeito contágio, os autores sugerem a normatização legal da produção e veiculação de conteúdos jornalísticos ou ficcionais que abordem a temática do suicídio. A produção de manuais e guias também têm potencial de apresentar boas práticas na cobertura da questão.
Entrevista pingue-pongue: tipos usuais no jornalismo brasileiro
Autora: Thaísa Cristina Bueno
>> Resumo em um tweet. O artigo apresenta quatro tipos de entrevistas pingue-pongue catalogados a partir da experiência da construção de um banco de dados de pesquisa em sala de aula. A seleção das entrevistas obedece critérios como originalidade e representatividade nacional do veículo.
>> Panorama. Uma entrevista pingue-pongue clássica apresenta como características, segundo a autora: interação síncrona, autoria, perguntas objetivas e abertas, edição, além da transcrição da pergunta e da resposta e de um texto de apresentação. A partir desta, surgem quatro outras variações classificadas no artigo.
>> Principais achados. A taxionomia proposta pela autora não esgota a questão, mas apresenta a necessidade de classificação dos tipos de entrevista para melhor entender as características de cada uma de modo a nortear a prática jornalística.
Notas de rodapé
(uma breve coletânea de dicas)
_Para aprender: a professora Rosana Pinheiro Machado lançou um curso de escrita acadêmica em parceria com o Anis - instituto de bioética. Há uma série de vídeos disponíveis sobre diferentes tópicos como plágio, projetos de pesquisa, colaboração na escrita e mais. Você pode assistir tudo aqui.
_Para pesquisar: O pesquisador Tarcizio Silva fez uma thread no Twitter com algumas dicas para melhorar as buscas no Google Scholar.
_Para ler: uma lista diversa feita com a curadoria dos pesquisadores e diretores do Reuters Institute
_Para acompanhar: Wonder Tools é uma newsletter de Jeremy Caplan que traz novidades e dicas sobre ferramentas. Tem de tudo: organizador de tarefas, como melhorar as chamadas virtuais e aulas online e até truques para otimizar o uso do Google Docs.
Programe-se
(uma seção com prazos de processos seletivos, publicações e eventos)
A segunda edição da Periódica traz informações sobre 10 processos seletivos de ingresso na pós-graduação e credenciamento de docentes e 17 publicações e eventos com inscrições e prazos de submissão abertos. Veja a lista completa aqui.
É isso!
Obrigada pela companhia em mais uma edição da Periódica. Espero que os conteúdos de hoje tenham sido úteis para você de alguma forma.
Se você tiver qualquer dúvida, sugestão ou comentário, é só falar comigo.
Muito obrigada e até a próxima!
Um abraço e um excelente domingo a todos vocês!
Luiza Bodenmüller
Idealizadora e editora da Periódica